Como a Lei de Acesso à Informação e ONGs se Conectam

Introdução: Transparência como Alicerce das ONGs
Em tempos de desconfiança generalizada e cobranças crescentes por responsabilidade, a palavra “transparência” deixou de ser um mero conceito abstrato e se tornou um requisito vital para qualquer organização que deseje ser levada a sério — especialmente no universo das ONGs.
Não se trata apenas de prestar contas ou divulgar relatórios anuais: é sobre construir, dia após dia, uma ponte sólida de confiança com a sociedade.
A informação, nesse cenário, ocupa um papel central. Ela é a base para o diálogo com doadores, beneficiários, parceiros e com o poder público.
Quando acessível, clara e organizada, ela tem o poder de fortalecer vínculos, legitimar ações e abrir espaço para novas colaborações. Quando escondida ou mal gerida, gera ruídos, suspeitas e até crises institucionais difíceis de reverter.
É nesse ponto que a Lei de Acesso à Informação (LAI) surge como um divisor de águas para o terceiro setor.
Muito além de uma obrigação legal, ela representa uma oportunidade real de fortalecer a imagem institucional e alinhar a gestão das ONGs aos princípios democráticos mais fundamentais.
Mas como, exatamente, a LAI impacta o cotidiano das organizações da sociedade civil? Quais são os limites, os desafios e as boas práticas nesse caminho rumo a uma cultura de transparência genuína?
Essas são as questões que exploraremos a seguir, a começar pelos fundamentos que sustentam essa legislação.
Economato: O sistema que entende as necessidades da sua OSC.
Fundamentos da Lei de Acesso à Informação (LAI)
Para compreender como a transparência se conecta às práticas das ONGs, é essencial mergulhar nos fundamentos da Lei de Acesso à Informação (LAI). Sancionada em 2011 (Lei nº 12.527), a LAI representa um marco legal que transformou a forma como o Estado e a sociedade civil lidam com a informação pública.
O que motivou a criação da LAI?
Durante décadas, o acesso à informação pública no Brasil foi restrito e, muitas vezes, envolto em burocracias que desestimulavam a participação cidadã. A criação da LAI veio para inverter essa lógica. Inspirada por acordos internacionais de transparência e por uma crescente mobilização social, a lei instituiu o direito de qualquer pessoa obter informações de interesse público, de maneira rápida e descomplicada.
Essa virada legislativa teve como pano de fundo um princípio fundamental: a informação é um bem público — e, como tal, deve estar ao alcance de todos.
Objetivos principais da LAI
A LAI não se resume a garantir que documentos sejam divulgados. Ela promove uma mudança cultural na administração pública e nas entidades que manejam recursos públicos. Entre seus principais objetivos, destacam-se:
- Ampliar a transparência da gestão pública, incentivando a prestação de contas.
- Facilitar o controle social, empoderando cidadãos e organizações.
- Combater a corrupção, por meio da visibilidade dos atos administrativos.
- Fortalecer a democracia, promovendo o acesso equitativo à informação.
Quem está sujeito à LAI?
Um ponto muitas vezes mal compreendido é quem, exatamente, deve seguir as diretrizes da lei. A LAI se aplica a:
- Órgãos e entidades da administração pública direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
- Autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
- Organizações privadas sem fins lucrativos que recebem recursos públicos para execução de ações de interesse coletivo — como muitas ONGs.
Essa última categoria é especialmente relevante para o terceiro setor. Ao firmar parcerias ou convênios com o poder público, as ONGs assumem também o dever de transparência em relação ao uso desses recursos.
Transparência ativa x transparência passiva
A LAI estabelece duas formas principais de disponibilização de informações:
- Transparência ativa: são as informações divulgadas espontaneamente pelas entidades, como contratos, relatórios de execução, dados orçamentários, entre outros.
- Transparência passiva: ocorre quando o cidadão solicita uma informação específica e a entidade tem o dever de responder em até 20 dias úteis.
Compreender essas duas dimensões ajuda as ONGs a estruturar melhor seus processos internos e a se preparar para demandas externas de informação.
Esse panorama inicial da LAI já nos mostra que sua aplicação ultrapassa a formalidade legal. Ela é um convite — ou melhor, uma convocação — a integrar a transparência como um valor central na atuação de qualquer entidade que se relacione com o interesse público. Mas como isso se traduz, na prática, para as ONGs brasileiras? Quais são os deveres e os limites que precisam ser considerados?
Essas são perguntas que exploraremos a seguir, aprofundando na aplicação da Lei de Acesso à Informação no contexto específico das ONGs. Afinal, até onde vai a obrigação da transparência — e onde começa a proteção legítima das informações internas?
Lei de Acesso à Informação e ONGs: obrigações e limites
A relação entre a Lei de Acesso à Informação (LAI) e as ONGs ainda gera dúvidas e debates — e com razão. Embora nem todas as organizações do terceiro setor estejam diretamente sujeitas à LAI, muitas se enquadram em situações que exigem atenção redobrada quanto à transparência. Vamos entender melhor esse cenário?
Quando a LAI se aplica às ONGs?
A LAI incide sobre organizações privadas sem fins lucrativos que recebem, direta ou indiretamente, recursos públicos para a realização de ações de interesse coletivo. Isso inclui:
- ONGs que firmam convênios ou parcerias com órgãos públicos;
- Organizações que gerem projetos financiados por fundos governamentais;
- Entidades que operem serviços públicos delegados pelo Estado.
Em todos esses casos, a ONG precisa garantir que as informações sobre o uso dos recursos estejam disponíveis ao público — seja por meio de portais, sites institucionais ou em resposta a solicitações diretas.
“Se recebeu verba pública, a obrigação de prestar contas à sociedade acompanha o repasse. A transparência é parte do pacto.” — citação comum no meio jurídico que resume bem esse princípio.
Quais informações devem ser disponibilizadas?
As ONGs sujeitas à LAI devem manter acessíveis ao público dados como:
- Planilhas orçamentárias e de execução financeira;
- Relatórios de atividades realizadas com recursos públicos;
- Contratos, convênios e termos de parceria;
- Dados sobre processos seletivos de pessoal vinculados ao projeto público.
Importante lembrar: a divulgação deve respeitar os princípios de clareza, precisão e atualização constante.
Limites legais e proteção de dados
Por outro lado, é essencial entender que a obrigação de transparência tem limites claros. A LAI não exige a exposição de todas as informações da organização, e existem proteções legais importantes:
- Dados pessoais de beneficiários ou colaboradores não devem ser divulgados, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD);
- Informações estratégicas internas da ONG, que não estejam ligadas a recursos públicos, não são objeto de divulgação obrigatória;
- Casos que envolvam segurança de pessoas ou projetos sensíveis também podem justificar restrições no acesso.
Esses limites ajudam a equilibrar o direito à informação com a necessidade de proteger direitos fundamentais, como a privacidade e a segurança institucional.
Riscos da omissão e benefícios da conformidade
Ignorar as obrigações impostas pela LAI pode trazer consequências sérias:
- Questionamentos públicos e danos à imagem da organização;
- Abertura de processos administrativos ou perda de parcerias;
- Dificuldade de acessar novos editais ou financiamentos públicos.
Por outro lado, agir com transparência reforça a legitimidade da ONG, fortalece sua relação com parceiros e atrai novos apoiadores.
Compreender bem esse equilíbrio entre obrigações e limites é essencial para qualquer organização do terceiro setor. Mas como transformar esse conhecimento em prática? Quais caminhos as ONGs podem seguir para implementar, de forma eficaz, as exigências da LAI no seu dia a dia?
É exatamente isso que vamos explorar a seguir.
Lei de Acesso à Informação e ONGs: obrigações e limites
À medida que a sociedade exige mais clareza nas ações de instituições públicas e privadas, cresce também o olhar sobre as ONGs — especialmente aquelas que atuam com recursos públicos. Nesse contexto, entender como a Lei de Acesso à Informação (LAI) se aplica ao terceiro setor é fundamental não apenas para cumprir exigências legais, mas para fortalecer a integridade e a confiança institucional.
A LAI se aplica a todas as ONGs?
A resposta é: não necessariamente. A aplicação da LAI está diretamente vinculada à origem dos recursos que a ONG administra. A regra é clara: se a organização recebe verbas públicas — por meio de convênios, contratos de gestão, termos de colaboração ou parcerias —, ela deve cumprir os princípios da LAI em relação ao uso desses recursos.
Mas atenção: o dever de transparência não se estende a todas as atividades da ONG, apenas àquelas que envolvem dinheiro público. Essa distinção é essencial para equilibrar transparência com autonomia organizacional.
O que as ONGs devem tornar público?
Quando a LAI é aplicável, as organizações devem garantir acesso a uma série de informações, especialmente aquelas ligadas à gestão dos recursos públicos. Veja os principais itens:
- Execução orçamentária e financeira: receitas, despesas, saldos e relatórios de aplicação dos recursos.
- Documentos contratuais: cópias de convênios, termos de fomento ou colaboração.
- Relatórios de atividades: descrição das ações desenvolvidas com apoio do recurso público.
- Critérios e processos seletivos: se houver contratação de pessoal ou seleção de beneficiários com uso da verba pública.
Essas informações podem ser disponibilizadas por meio de portais da transparência, páginas institucionais ou enviadas sob demanda por canais formais de atendimento.
“Transparência não é sobre mostrar tudo, mas sobre mostrar o que é de direito do público saber.” — pensamento recorrente entre gestores do terceiro setor.
Limites importantes: até onde vai o dever de transparência?
Apesar das obrigações, a LAI também respeita o direito à privacidade e a necessidade de resguardar certas informações. As ONGs não são obrigadas a divulgar:
- Dados pessoais de colaboradores, voluntários ou beneficiários;
- Informações estratégicas ou administrativas não ligadas a recursos públicos;
- Projetos sensíveis, cuja divulgação possa comprometer a segurança dos envolvidos.
Além disso, o tratamento de dados deve estar em sintonia com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), criando uma fronteira clara entre o que é transparência e o que é sigilo legítimo.
O risco da desinformação
Um dos maiores perigos para ONGs que lidam com a LAI é não saber o que divulgar ou como divulgar. A desinformação pode levar a:
- Exposição excessiva de dados sigilosos, comprometendo a imagem e segurança da organização;
- Falta de padronização, o que dificulta a navegação e o entendimento por parte do público;
- Desorganização documental, que atrasa respostas e compromete prazos legais.
Por isso, compreender bem os limites e as obrigações é mais do que um exercício legal — é um ato de fortalecimento institucional.
Com esse entendimento em mãos, o próximo passo é partir para a prática: como implementar a LAI de maneira estruturada e eficiente dentro das ONGs? Que ferramentas, processos e atitudes são necessários para transformar transparência em rotina?
É isso que vamos descobrir a seguir.
Benefícios estratégicos da LAI para as ONGs
Quando se fala em Lei de Acesso à Informação (LAI), o primeiro pensamento costuma girar em torno de exigências legais e burocracia. Mas, para as ONGs, enxergar a LAI apenas como uma obrigação é uma visão limitada. Na prática, ela pode ser uma poderosa aliada estratégica, capaz de impulsionar a credibilidade, a eficiência e o impacto das organizações.
Vamos explorar os principais benefícios que a LAI pode trazer para o terceiro setor?
1. Fortalecimento da credibilidade institucional
Vivemos uma era de desconfiança, em que a sociedade, os financiadores e os órgãos de controle exigem transparência total na aplicação de recursos. Nesse cenário, a confiança se constrói com base na clareza das informações.
Ao adotar práticas alinhadas à LAI — mesmo quando não há obrigação legal formal — a ONG transmite a mensagem de que não tem nada a esconder. Isso se traduz em:
- Maior apoio da comunidade e de beneficiários;
- Facilidade em captar recursos com financiadores exigentes;
- Boa reputação perante órgãos públicos e reguladores.
“Quem comunica com clareza, lidera com confiança.” — princípio valioso no setor social.
2. Melhoria na gestão interna
A adoção de mecanismos de transparência impulsiona também a organização dos processos internos. Isso ocorre porque, ao se preparar para divulgar informações, a ONG precisa:
- Documentar bem seus projetos e decisões;
- Padronizar relatórios financeiros e técnicos;
- Criar rotinas de monitoramento e avaliação.
Esse esforço reflete diretamente na eficiência administrativa, reduzindo falhas, retrabalho e facilitando auditorias externas ou prestação de contas.
3. Prestação de contas facilitada
A LAI estimula a criação de sistemas de informação estruturados, que organizam os dados de forma acessível e padronizada. Com isso, o processo de prestação de contas, que muitas vezes é visto como um desafio, se torna mais fluido:
- Os documentos estão prontos e disponíveis;
- A comunicação com financiadores é facilitada;
- O tempo gasto com burocracias é reduzido.
Além disso, essa agilidade pode ser um diferencial competitivo em editais e chamadas públicas.
4. Cultura organizacional orientada para a transparência
Quando a transparência se torna parte do cotidiano da ONG, ela transforma a cultura interna. Isso significa:
- Equipes mais conscientes do valor da ética e da integridade;
- Tomada de decisões mais responsável;
- Comprometimento coletivo com a missão da organização.
Essa mudança cultural é, talvez, um dos maiores legados da LAI para as ONGs — e um sinal claro de amadurecimento institucional.
5. Abertura para novas parcerias e oportunidades
Organizações transparentes atraem aliados estratégicos. Seja no setor público, privado ou no campo da filantropia, há um consenso crescente de que investir em instituições com práticas claras é mais seguro, mais eficaz e mais sustentável.
Ou seja, a LAI pode abrir portas para:
- Novas fontes de financiamento;
- Parcerias institucionais sólidas;
- Participação em redes e fóruns nacionais e internacionais.
Percebe como a transparência pode ser uma ferramenta de crescimento e não apenas uma obrigação? Quando bem aplicada, ela se torna um dos pilares do desenvolvimento institucional. Mas como implementar, na prática, esses princípios no cotidiano da organização?
É o que veremos a seguir, com um guia prático sobre como aplicar a LAI de forma eficiente e realista nas ONGs.
Práticas recomendadas para implementação da LAI em ONGs
Compreender a Lei de Acesso à Informação é um passo importante, mas colocá-la em prática é o que realmente transforma a relação entre a ONG e a sociedade. A boa notícia? Implementar a LAI pode ser mais simples — e mais transformador — do que parece. Tudo começa com atitude, planejamento e vontade de evoluir institucionalmente.
A seguir, vamos explorar práticas essenciais que podem guiar as ONGs em direção a uma cultura de transparência real e sustentável.
1. Estabeleça canais claros de comunicação
A primeira regra da transparência é ser encontrável. As ONGs precisam criar caminhos simples e acessíveis para que qualquer pessoa possa solicitar informações — e para que essas respostas sejam organizadas e efetivas.
Boas práticas incluem:
- Criar uma página de “Transparência” ou “Acesso à Informação” no site institucional;
- Incluir um formulário de solicitação de informações;
- Informar prazos, responsabilidades e canais de resposta.
Dica: deixe tudo muito claro. Ninguém gosta de ficar procurando um e-mail escondido ou um telefone que nunca atende.
2. Adote políticas internas de gestão da informação
Não adianta oferecer canais se a ONG não tem os dados organizados. É essencial desenvolver políticas internas para classificar, armazenar e atualizar as informações.
Ações úteis:
- Definir um responsável ou equipe pela área de transparência;
- Criar fluxos internos para solicitação, resposta e arquivamento de informações;
- Manter registros financeiros e de atividades digitalizados e categorizados.
Essas políticas não precisam ser complexas: o segredo está na clareza, consistência e facilidade de acesso.
3. Pratique a transparência ativa
A transparência não deve existir apenas quando alguém pede informação. Transparência ativa é o ato de publicar, de forma proativa, dados relevantes sobre a ONG e seus projetos, como:
- Planilhas de receitas e despesas de projetos financiados por recursos públicos;
- Relatórios de atividades e de impacto;
- Termos de parceria, convênios e editais abertos;
- Critérios de seleção de beneficiários ou colaboradores.
Quanto mais informações forem disponibilizadas espontaneamente, menos solicitações formais surgirão. Isso reduz o trabalho da equipe e amplia a confiança do público.
4. Invista em formação da equipe
A transparência começa pelas pessoas que fazem a ONG acontecer. Capacitar o time para entender a LAI, seus objetivos e limites, é essencial para que a organização não cometa excessos ou omissões.
Sugestões de formação:
- Oficinas internas sobre LAI e LGPD;
- Treinamentos em linguagem clara e acessível;
- Simulações de solicitações e elaboração de respostas.
Uma equipe bem preparada evita erros, responde com agilidade e reforça a imagem da ONG como referência em transparência.
5. Monitore, avalie e evolua
Transparência é um processo contínuo. Criar rotinas de avaliação interna sobre o desempenho da ONG em relação à LAI ajuda a identificar falhas e promover melhorias constantes.
Boas estratégias de monitoramento:
- Acompanhar prazos de resposta a solicitações;
- Avaliar a clareza e utilidade das informações publicadas;
- Coletar feedback de parceiros e beneficiários sobre a comunicação da ONG.
Implementar a LAI, portanto, não é apenas cumprir a lei — é abrir as portas da organização para um diálogo franco e permanente com a sociedade. Mas, por mais estruturada que seja a estratégia, a jornada da transparência não está livre de desafios.
Na próxima seção, vamos nos debruçar sobre os obstáculos que as ONGs enfrentam nesse processo — e como superá-los com inteligência e coragem institucional.
Desafios enfrentados pelas ONGs com a LAI
A implementação da Lei de Acesso à Informação (LAI) pode representar um divisor de águas para as ONGs — mas esse caminho nem sempre é simples. Na prática, organizações do terceiro setor encaram uma série de desafios estruturais, culturais e legais que podem dificultar o avanço da transparência. Reconhecê-los é o primeiro passo para superá-los com inteligência e planejamento.
1. Falta de capacitação e infraestrutura
Muitas ONGs, principalmente as de menor porte, enfrentam restrições de pessoal e tecnologia. A gestão da informação exige habilidades específicas e ferramentas que nem sempre estão disponíveis.
Dificuldades comuns incluem:
- Equipes pequenas acumulando múltiplas funções;
- Falta de sistemas para organização de dados;
- Dificuldade em interpretar corretamente as exigências da LAI.
2. Riscos de exposição e interpretação equivocada
A transparência, quando mal gerida, pode gerar consequências indesejadas. A publicação de dados sem o devido cuidado pode abrir espaço para:
- Exposição indevida de beneficiários ou colaboradores;
- Interpretações distorcidas de informações técnicas ou financeiras;
- Sensacionalismo ou ataques descontextualizados em ambientes digitais.
Por isso, é essencial alinhar a transparência com responsabilidade, protegendo dados sensíveis e contextualizando bem o que é divulgado.
3. Resistência cultural à abertura
Nem sempre a barreira é técnica. Em muitos casos, a dificuldade está na cultura organizacional. ONGs acostumadas a operar com autonomia e informalidade podem ver a LAI como uma ameaça ou um “peso a mais”.
Essa resistência pode se manifestar em frases como:
- “Mas nunca ninguém pediu essas informações antes…”
- “Se mostrarmos tudo, vão nos criticar mais.”
- “Não temos obrigação legal, então pra quê?”
Superar esse tipo de pensamento requer trabalho interno de sensibilização, mostrando que a transparência não enfraquece — ao contrário, fortalece a missão da ONG.
4. Equilíbrio entre transparência e privacidade
Outro desafio delicado é manter o equilíbrio entre o direito à informação e o direito à privacidade. A ONG precisa, ao mesmo tempo, mostrar como usa recursos públicos e proteger os dados de seus públicos atendidos.
Conflitos frequentes:
- Dúvidas sobre o que pode ou não ser divulgado;
- Ausência de políticas claras de anonimização;
- Falta de integração entre a LAI e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Criar protocolos internos que regulem esse equilíbrio é um passo essencial para atuar com segurança.
5. Falta de apoio e diretrizes públicas claras
Por fim, muitas ONGs relatam ausência de orientação prática por parte do poder público. Embora existam normativas e manuais gerais, faltam:
- Capacitações específicas para o terceiro setor;
- Ferramentas acessíveis para gestão da informação;
- Canais de diálogo entre Estado e sociedade civil sobre a aplicação da LAI.
Essa lacuna institucional contribui para inseguranças e interpretações divergentes da lei, gerando inconsistência no cumprimento das exigências.
Apesar de todos esses desafios, a boa notícia é que nenhum deles é intransponível. Com ações progressivas, vontade política interna e parcerias estratégicas, é possível construir um modelo de transparência que respeite os limites da organização e, ao mesmo tempo, amplie seu impacto positivo.
Mas afinal, por onde começar a consolidar uma cultura de transparência que seja autêntica, sustentável e alinhada com a missão institucional da ONG?
É o que vamos explorar a seguir.
Caminhos para uma cultura de transparência sustentável
A transparência não deve ser um esforço pontual ou apenas uma resposta às exigências legais. Para que seja genuína e duradoura, ela precisa estar entranhada na cultura organizacional. Isso significa transformar a transparência em um valor vivo, praticado no dia a dia da gestão, das relações e da comunicação da ONG.
Mas como sair do plano das intenções e construir, de fato, essa cultura? Aqui estão os caminhos mais eficazes para trilhar essa jornada com consistência.
1. Capacitação contínua da equipe
Nenhuma cultura se estabelece sem o envolvimento ativo das pessoas que compõem a organização. Capacitar a equipe é um investimento estratégico — e necessário — para manter a transparência viva.
Boas práticas incluem:
- Oferecer treinamentos periódicos sobre LAI e LGPD;
- Incluir a temática da transparência em reuniões, planejamentos e processos de onboarding;
- Incentivar o diálogo interno sobre desafios, aprendizados e incertezas relacionados à abertura de informações.
Quando todos compreendem o porquê e o como da transparência, ela deixa de ser um “peso” para se tornar um propósito compartilhado.
2. Integração da transparência à missão institucional
Transparência não deve ser tratada como um departamento isolado ou uma tarefa burocrática. Ela precisa estar alinhada à essência da ONG, refletindo seus valores, seu propósito e sua forma de atuar no mundo.
Dicas para integrar a transparência à missão:
- Incluir compromissos com a abertura de dados nos documentos institucionais (estatuto, missão, valores);
- Compartilhar resultados, aprendizados e até dificuldades com o público;
- Usar uma linguagem acessível e humana nas comunicações, aproximando a ONG da comunidade.
Quando a transparência é coerente com a missão, ela se fortalece como um ativo reputacional poderoso.
3. Fortalecimento de parcerias estratégicas
Construir uma cultura de transparência sustentável também exige colaboração com outros atores do ecossistema. Ninguém precisa — nem deve — trilhar esse caminho sozinho.
Ações possíveis:
- Participar de redes e fóruns que discutem boas práticas de governança no terceiro setor;
- Buscar apoio técnico de instituições especializadas em gestão, transparência ou tecnologia;
- Estabelecer diálogos contínuos com financiadores, parceiros e órgãos públicos.
Essas conexões ampliam o repertório da ONG, oferecem referências e inspiram novos modos de praticar a transparência.
4. Criação de processos internos sustentáveis
Transparência não pode depender de uma ou duas pessoas-chave. Para ser sustentável, ela precisa de processos claros, documentados e replicáveis.
Exemplos de processos sustentáveis:
- Calendário de publicações e relatórios;
- Checklist de documentos a serem organizados em novos projetos;
- Procedimentos padrão para resposta a pedidos de informação.
Automatizar rotinas e usar ferramentas digitais simples pode reduzir a carga operacional e garantir a continuidade mesmo em momentos de transição de equipe.
5. Avaliação constante e abertura ao aprimoramento
Por fim, manter a transparência viva requer humildade institucional: a disposição de olhar para dentro, identificar o que pode melhorar e ouvir o público.
Sugestões de avaliação:
- Criar espaços de escuta com beneficiários e parceiros sobre a clareza das informações divulgadas;
- Monitorar indicadores de transparência e satisfação;
- Revisar periodicamente as práticas à luz das mudanças legais e tecnológicas.
Uma cultura de transparência sustentável é, acima de tudo, um compromisso com a evolução — com a verdade, com a escuta e com a melhoria contínua.
E é com esse espírito que nos aproximamos da conclusão deste artigo: refletindo sobre como a LAI, mais do que uma lei, pode ser um instrumento para conectar direitos, deveres e, acima de tudo, confiança pública.
Conclusão: Conectando direitos, deveres e confiança pública
Transparência, no universo das ONGs, não é apenas uma exigência legal ou um detalhe técnico. Ela é um valor estratégico, um pilar ético e um diferencial competitivo.
A Lei de Acesso à Informação (LAI), quando compreendida em profundidade, deixa de ser vista como um desafio e passa a ser reconhecida como uma ferramenta de fortalecimento institucional.
Ao longo deste artigo, vimos que aplicar a LAI no contexto das ONGs exige atenção a limites legais, compromisso com a cultura organizacional e esforço contínuo para estruturar informações de forma clara e acessível.
Mas também percebemos que essa jornada oferece recompensas valiosas: mais credibilidade, melhor gestão, novas oportunidades e vínculos mais fortes com a sociedade.
Em um cenário onde a confiança pública é cada vez mais disputada, ser transparente é um ato de coragem.
É abrir as portas para o diálogo, assumir erros quando necessário, celebrar conquistas com responsabilidade e mostrar, com dados e histórias, que cada centavo, cada ação e cada decisão são guiados por um propósito maior: transformar vidas e fortalecer o tecido social.
A LAI nos convida a esse compromisso. E, mais do que isso, ela nos lembra que informar é um direito — e ser transparente é um dever de quem atua pelo bem coletivo.
Que este conteúdo sirva como ponto de partida para reflexões e ações concretas dentro da sua organização. Porque, no fim das contas, a transparência não é um destino — é um caminho contínuo.
E é nesse caminho que as ONGs podem construir uma relação mais sólida, legítima e transformadora com todos os que acreditam em seu trabalho.